Este artigo é um tributo a um daqueles personagens que sempre estiveram presentes em nossas vidas e que jamais supomos que viriam a faltar um dia. Acredito que todos já tenham sentido e/ou experimentado algo assim: Você se dá por conta de existir e encontra uma referência em alguém mais velho, que pode estar fisicamente distante, aí passa anos colhendo bônus daquela fonte, até que um dia abre o jornal e encontra o falecimento daquela pessoa luminosa…
No presente caso, falo de Paco de Lucía, certamente um dos maiores violonistas de todos os tempos e que perambulou pela terra até esta última quarta-feira (26/02/2014) quando sofreu um enfarto do miocárdio, enquanto estava numa praia de Cancún – México com seus filhos e, veio a falecer.
Francisco Sánchez Gómez nasceu a 21 de dezembro de 1947 em Algeciras, na Espanha e, assumiu o nome artístico de “Paco de Lucía” em homenagem à sua mãe, Luzia (de origem portuguesa), que adotou o nome de Lucía Gomez após casar-se. Seu pai era guitarrista de flamenco à noite e vendedor no mercado pelas manhãs. Paco era o mais novo de cinco irmãos, sendo que 3 deles também eram músicos de flamenco.
Sua discografia reúne 24 títulos, sendo o primeiro lançamento em 1965 e o ultimo em 2004. Sua musicalidade sempre transcendeu ao flamenco (estilo folclórico de origem espanhola) e é tido como o grande pivô da difusão mundial dessa vertente musical ancestral, por conta de suas fusões e experimentações.
Paco de Lucía levou seu violão à música erudita, jazz, blues, fusion e à bossa nova; sempre angariando milhares de fãs dado à suas interpretações repletas de sensibilidade e cuja destreza técnica de altíssima velocidade impressionava. Contudo, ele sempre levava consigo a cultura da Andaluzia e o flamenco, mas o seu olhar tinha dimensão mais universal.
“Nunca perdi a ligação com as raízes na minha música”, afirmou em entrevista da década de 1990. “O que tentei fazer foi situar-me na tradição e, ao mesmo tempo, procurar noutros territórios, coisas novas para transportar para o flamenco.” “Não tenho medo que se perca a essência do flamenco”, disse em agosto de 2004. “Um guitarrista tem de ter mais do que ritmo, tem de ter ar. Ar é fundamental”, também falou na mesma entrevista.
Paco de Lucía recebeu a medalha de ouro “Mérito das Belas-Artes” em 1992, o prêmio “Pastora” e o “Prêmio da Música” em 2002 e sua coroação veio em 2004 com os prêmios “Príncipe das Astúrias das Artes” e “doutor honoris causa” pela Universidade de Cádiz e pelo Berklee College of Music, mesmo ano em que também recebeu um Grammy pelo melhor álbum de flamenco, além do “Prêmio Nacional de Guitarra de Arte Flamenco”.
Consagradíssimo atuou ao lado de grandes nomes como Larry Coryell, Chick Corea e foi através do álbum “Friday Night in San Francisco” (onde está gravada a música Frevo Rasgado do brasileiro Egberto Gismonti), em que tocou juntamente com John McLaughlin e Al Di Meola, que conheci seu trabalho. Para toda grande obra há uma lenda e para não fazer desta uma exceção, diz-se que esse trio foi montado em função do sucesso e maravilhosa sonoridade que o Grupo D’Alma (formado pelos brasileiros André Geraissaiti, Ulisses Rocha e Mozart Mello) fazia.
Paco de Lucía sempre se manteve próximo do Brasil e numa certa feita (em 1989) Djavan estava gravando seu clássico, Oceano, quando aguardava a gravação do solo de violão por Rafael Rabello, que por sua vez era amigo de Paco e aproveitando a estada desse artista por aqui, cedeu sua vaga para que o espanhol fizesse tal solo. Mais uma prova da amplitude cosmopolita desse violonista.
Mark Knoffer, guitarrista da renomada banda norte-americana, Dire Straits, disse o seguinte sobre ele: “Ao vê-lo, entendi que não sei tocar violão”. Declaração que dá noção da dimensão musical de Paco de Lucía.
Nesta última quarta-feira o mundo perdeu um dos seus maiores representantes do violão e da arte musical, milhares de violonistas perderam um mestre e eu, perdi uma referência que trazia comigo há mais de 20 anos. Apesar de nunca sequer ter estado por perto dele.
Talvez essa seja a maior mágica que os grandes artistas conseguem fazer: a de estreitar amizades sem a necessidade da aproximação, sem nenhum contato pessoal, mas com toda a força da sinceridade e da admiração.
Felizmente sua música não será calada, visto que nos tempos modernos se guardam dezenas, centenas de gravações, o que manterá as notas de seu violão vivas e audíveis para todos nós!
Novamente findo estas linhas desejando a todos um ótimo, revigorante e muito musical final de semana, também aproveitando para desejar um carnaval muito divertido, mas longe dos excessos por ventura danosos, que esta festividade costuma trazer consigo. Deus salve Paco de Lucía!
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